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  • Foto do escritorFelipe Cavalcante

A multipropriedade não é para você

Essa afirmação pode soar estranha vindo de alguém que presta serviços de Advisory (Conselheiro) para quem quer começar a atuar no mercado de multipropriedade, mas tenho repetido tanto essa afirmação para clientes e amigos que resolvi escrever um texto sobre isso.


Desde a criação da ADIT, em 2006, eu tenho promovido a indústria do timeshare e da multipropriedade no Brasil. Em todas as edições do Nordeste Invest, nosso evento internacional de investimentos imobiliários e turísticos, o Timeshare sempre estava na programação, mesmo quando poucas pessoas ainda acreditavam nele e haviam poucos projetos em andamento, como o Rio Quente e o Beach Park.


Há 10 anos, em 2012, tive a ideia de criar um primeiro evento sobre timeshare no Brasil, que chamamos de ADIT Share. Ele foi realizado no Rio Quente Resorts e, desde então, se tornou uma potência, representando adequadamente o crescimento do setor no país. Na edição de 2022, em Olímpia, tivemos 550 participantes. Detalhe que chamou atenção: players atuais e novos entrantes muito mais maduros.


Na primeira edição do ADIT Share ninguém falou de multipropriedade, pela simples razão de que esse negócio ainda não existia no Brasil. No ano seguinte, já começamos a ouvir falar sobre alguns incorporadores de flats que também comercializam timeshare em Caldas Novas, e, que para desovar unidades que estavam no estoque, adotaram a técnica de vendas do timeshare na venda de imóveis.


Naquela época o negócio ainda não se chamava multipropriedade. Era chamado de Cotas imobiliárias, Fracionado, Fractional, entre outras variações. Lembro quando o Francisco Costa Neto, então CEO do Rio Quente Resorts, entrou em contato comigo, com o Caio Calfat e outras lideranças do setor para alterar o nome do segmento e passar a chamá-lo de multipropriedade, aproveitando a elaboração da Lei que regulamentou o setor.


No exterior, o nome Fractional é associado a casas de alto padrão que são vendidas em quatro cotas, enquanto tanto o nosso Timeshare clássico, quanto o que chamamos de Multipropriedade, são chamados de Timeshare, sendo que em alguns locais o imóvel é escriturado e em outros não.


No início, a Multipropriedade gerou grandes desconfianças, seja pelos seus enormes VGV e preço de metro quadrado, seja pelo tamanho dos empreendimentos, que chegavam a mil unidades, seja pela inexperiência e falta de track record dos empreendedores, seja pela ausência de Legislação ou pelos destinos pouco vivos onde eram construídos, como Caldas Novas e Olímpia. Os incorporadores e hoteleiros tradicionais não entraram nessa fase. tnham muito a perder.


O tempo passou, a lei que disciplina o setor foi promulgada, os empreendimentos iniciais foram construídos, os empreendedores pioneiros viraram grandes empresas com milhares de funcionários e receitas de gente grande.


O resultado é que agora todo mundo quer entrar em Multipropriedade.

Mas nem todo mundo tem o perfil necessário ou conhece o funcionamento do segmento, o mais complexo do setor imobiliário, envolvendo incorporação imobiliária, construção civil, administração condominial, administração hoteleira, parques/hospitalidade e timeshare, com seu forte foco em captação de clientes, vendas de alto impacto e um fortíssimo setor de pós-venda.


O negócio é brutal. Digo isso como o ex-Presidente da ADIT que viu esse setor nascer e ajudou a organizá-lo, para que não acontecesse no Brasil o que aconteceu na Europa e em outros países, onde a falta de regulação e players inconsequentes geraram uma imagem negativa e acabaram com a indústria. Eu participava de encontros com os Presidentes das associações internacionais de Timeshare e vi o que estava acontecendo em várias partes do mundo.


Por outro lado, eu alerto os novos entrantes também com base na minha experiência prática, pois implantei um clube de férias no meu resort em 2014. O ILOA Vacation Club teve mais de 5.000 clientes e durante esses oito anos eu aprendi muito no dia a dia. Foram muitos erros cometidos, que eu não quero que ninguém cometa.


E o primeiro e maior erro que vejo os novos entrantes querendo cometer é querer entrar no negócio para se beneficiar da parte boa, sem querer fazer a parte ruim

Dia após dia, recebo novos clientes ou conhecidos encantados com os altos valores dos metros quadrados praticados e as altas margens, mas que querem terceirizar as vendas, a captação de casais, o pós-venda, a administração condominial, a administração hoteleira, a gestão do parque aquático, ou seja, o core business do negócio de Multipropriedade.


Claro que isso não vai dar certo.


Pode até dar certo se o seu objetivo for reduzir a curva de aprendizagem nos primeiros anos enquanto está aprendendo o negócio, mas se sua ideia for realmente terceirizar o core business, mantendo dentro de casa apenas incorporação, construção e o recebimento dos gordos resultados do trabalho feito pelos terceirizados, lamento informar que esses resultados não chegarão.


Eu entendo perfeitamente uma pessoa que não queira passar a atuar em tantas novas frentes e em um negócio tão complexo e de ciclo longo. Multipropriedade é muito desgastante. Eu converso na boca miúda com alguns amigos que foram pioneiros no desenvolvimento do setor, alguns dos empresários a frente dos grandes grupos, e é recorrente o enorme desgaste por que passam e até o arrependimento de ter entrado no setor. Está certo que eles foram os pioneiros e que por conta disso sofreram muito mais do que alguém que entra hoje, com muito mais informações e estrutura disponíveis, mas não deixa de ser um alerta para quem está entrando agora. Nem tudo são flores.


No ADIT Share 2022 aconteceu várias vezes de eu estar conversando com alguns desses empresários e proprietários de comercializadoras e a conversa se direcionar para o quão pouco os novos entrantes sabem da prática do setor. Por mais que eles conversem com muitas pessoas do segmento para se aprofundar, na prática a teoria é outra.


Eu sou um exemplo disso. Quando comecei meu clube de férias, eu era Presidente da ADIT, conhecia todo mundo do setor, tinha acesso a muitas informações, visitei quase todo mundo que atuava ou já tinha atuado no segmento e achei que tinha conhecimento suficiente para iniciar a operação com poucos erros.


Ledo engano. Para vocês terem uma ideia, depois de quatro a cinco anos, eu só tinha na carteira 20% dos clientes do primeiro ano de operação.


Aí você diz, o Felipe foi incompetente e te devolvo: certamente que fui, como você será no início da sua operação, mas esse número tão negativo não é exceção, mas a regra do setor. Um dos players que mais admiro, falou abertamente no palco que cinco anos depois, tem pouco mais de 20% dos clientes iniciais em sua carteira e que vendeu R$ 1,2 bilhão, mas recebeu apenas R$ 400 milhões de reais.


E esse é o negócio de Multipropriedade, amigo. Todos os donos de incorporadoras de multipropriedade com quem falo dizem que venderam duas vezes os seus empreendimentos. Detalhe, continuam vendendo, pois os cancelamentos nunca param, e esses números só vão aumentar.


Quando converso com os gestores dos fundos de investimento que financiaram esses empreendimentos e que fazem a gestão de suas carteiras, todos confirmam que os empreendimentos foram vendidos duas vezes.


Claro que aqui ou acolá, alguém diz que tem cancelamento de 35%, 20% ou até 7%. Podem ser mais competentes do que o restante da indústria, pelo o que merecem nossos aplausos. Mas talvez eles não queiram passar uma imagem negativa ao mercado e a potenciais parceiros de negócio. Também podem estar apenas no início de suas operações.


Ou então não estão contando para você a taxa de inadimplência deles. Isso mesmo, a Taxa de cancelamento é inversamente proporcional à Taxa de inadimplência. Quanto maior o cancelamento, menor a inadimplência e quanto menor o cancelamento, maior a inadimplência.


Uma operação pode ter em um mês uma Taxa de cancelamento de 25% e no mês seguinte ela pode ser de 40%. O que aconteceu? A empresa fez uma limpeza da base de inadimplentes. Simples assim. Ou seja, não adianta ter uma Taxa de cancelamento de 20% se a Taxa de inadimplência também está em 20%. Você apenas está mascarando a Taxa de cancelamento.


Existem vários motivos pelos quais uma empresa não faz a limpeza na base de inadimplentes. O principal deles é que na maioria dos casos, será necessário fazer reembolsos para os clientes, machucando bastante o fluxo de caixa. Conheço vários projetos em que os gastos com reembolso estão entre as principais despesas do projeto. E sabe do que mais? Nunca vi um Estudo de viabilidade que faça essa previsão. Eles apenas indicam uma taxa de cancelamento, sem se preocupar em incluir no fluxo os gastos com reembolso dos clientes.


Dado o susto, eu acredito que é factível uma operação ter uma Taxa de cancelamento menor do que 40 ou 50%. Inclusive conheço algumas que conseguem.


O que vejo de comum entre elas é que são operações com empresários sérios, que pensam no longo prazo, que pretendem se estabelecer no negócio e ter vários empreendimentos e que possuem operações muito verticalizadas, ou seja, não terceiriza suas atividades principais.


Claro que existem muitos casos bem-sucedidos de terceirização, especialmente na hotelaria e no apoio à comercialização, mas sempre com o empresário acompanhando de perto e estando presente no dia a dia do negócio.


Um trabalho de uma consultoria é fundamental no início de um projeto para que se reduza a curva e o custo de aprendizagem, mas os próprios consultores sabem que depois de dois ou três anos, é normal as operações reduzirem a necessidade deles, mantendo uma relação mais de aconselhamento e monitoramento do que de dependência.


EU já tive resort e sei bem o quão difícil é. Sei que nem todas as pessoas querem ser hoteleiros, especialmente no lazer e envolvendo milhares de clientes com senso de propriedade. Felizmente, hoje em dia já existem redes hoteleiras sérias e com apetite para o setor, algumas delas focadas integralmente em Multipropriedade. Uma grande evolução em relação há alguns anos.


Já a terceirização completa da comercialização, é algo que eu não faria em um projeto meu. Essa terceirização de core business gera uma série de interesses desalinhados e deixa fora da empresa o know-how do negócio e o relacionamento inicial com seus clientes. Uma comercializadora que tem operações próprias e terceirizadas tem grande chance de focar mis energia e alocar seus melhores talentos para as operações próprias.


A razão dessa ênfase toda em o empresário dominar e estar a frente do core business do negócio, ou estar bastante próximo dele, é porque a saúde do negócio de multipropriedade, medida em índices como Taxa de cancelamento e Taxa de inadimplência, está diretamente relacionada a alguns fatores críticos. Os principais são esses:


  • Casais qualificados

  • Vendas saudáveis

  • Pós-venda eficiente

  • Serviços de qualidade

  • Prestação de contas condominial transparente

  • Experiência do cliente

  • Baixo valor da taxa de condomínio

  • Fonte de captação de casais


Se você não dominar essas atividades, imprimindo sua cultura, tendo pessoas de confiança à frente, monitorando de perto o que acontece no dia a dia e reagindo rapidamente ao que acontece na operação, você dificilmente conseguirá ter um negócio saudável.


É fundamental que o empresário tenha poder de decisão sobre os itens acima. Na hora que ele terceiriza as decisões sobre esses pontos, ele está deixando de ter controle sobre os pontos que levarão seu negócio ao sucesso.


Além disso, em vários momentos, existirão conflitos de interesse entre os diversos setores do negócio, e o empresário precisa ter condição de arbitrá-los. Alguns exemplos:


(1) A operação condominial tem interesse em aumentar a taxa de condomínio, enquanto a comercialização e o pós-venda querem reduzi-la para aumentar as vendas e reduzir o cancelamento;


(2) A captação quer reduzir a qualificação dos casais e a sala de vendas quer aumentar;


(3) O pós-venda quer usar as frações de uma semana para renegociação e a sala de vendas quer usá-las para vender;


Essas são alguns poucos exemplos dos infindáveis conflitos de interesse que surgem constantemente entre os diversos segmentos de uma operação de Multipropriedade ou Timeshare. Durante os oitos anos do meu clube de férias eu tive que tomar decisões como essas o tempo todo. O pior período, porém, foi no começo, quando eu era inexperiente e minhas operações hoteleiras e de comercialização eram terceirizadas, me impondo limites até onde podia decidir, já que precisava ouvir e respeitar em maior grau a opinião e a visão dos empresários terceirizados que acreditaram no meu projeto e investiram tempo, energia e recursos nele. Eu não podia simplesmente desconsiderá-los na hora de tomar decisão.


De todos os conflitos de interesse que tive de lidar, esses se destacaram:


(1) Conflitos entre captação e vendas;

(2) Conflitos entre Pós-venda e vendas;

(3) Conflitos entre hotelaria e timeshare/multipropriedade

(4) Interesse de curso prazo dos vendedores por aumento da comissão versus os interesses de longo prazo da empresa por vendas qualificados.


Com o passar do tempo, todos foram equacionados e praticamente deixaram de existir, à custa de muito erro, prejuízo e desgastes entre os envolvidos. Hoje, se eu começasse de novo, esses problemas seriam muito reduzidos, pois já sei o que deve ser feito e evitado. Os problemas seriam mais de implantação e operacionalização e menos sobre o que é o correto a ser feito. Isso eu já sei, mas quem está começando dificilmente escapará deles.


O motivo pelo o qual eu escrevi esse artigo é que amo dividir conhecimento e quero evitar que outros empresários passem pelos mesmo erros que eu cometi ou que entrem no setor de Multipropriedade de maneira equivocada, atraídos pelos seus números exuberantes, mas sem ter o perfil, vocação ou interesse em fazer o que tem que ser feito para ter sucesso nesse negócio.


É fundamental que os novos entrantes entendam que os dois objetivos centrais de todos os subnegócios dentro da Multipropriedade é apoiar as vendas de qualidade e a manutenção de cliente na base. Tudo tem que funcionar como apoio para esses dois objetivos.


Claro que as outras unidades de negócio podem e devem ser rentáveis e defender seus interesses, mas é preciso que o empreendedor, tomador de risco, seja também o tomador de decisão final sobre todos os aspectos que afetem a qualidade das vendas e a manutenção dos clientes na base.


Para isso, ele precisa dominar as atividades centrais do negócio (Core business) ou estar muito próximo e atuantes naquelas que resolver terceirizar momentânea ou permanentemente.


Isso é extremamente desgastante. E eu não falo em teoria, mas com a autoridade de quem construiu e administrou um empreendimento com 384 apartamentos, milhares de clientes de Timeshare e um resort conhecido em todo o Brasil. Foram os piores anos da minha vida. Minha qualidade de vida foi para o espaço. Mesmo eu não tendo função operacional nos negócios, não havia como eu não me envolver, acabando com minha paz de espírito. Foram nesses anos que eu entendi por que não existem redes hoteleiras de lazer no Brasil que operem resorts de terceiros.


Quando você tem um resort, os problemas não têm hora para aparecer, acontecem nos finais de semana, feriados, de madrugada. É muito complexo e exigem muita decisão local e imediata, programação intensa de lazer, operações complexas de alimentos e bebidas, gestão de condôminos agressivos, ter operação comercial hoteleira em todo o Brasil, problemas de manutenção sem hora para acontecer, paisagismo complexo, centenas de funcionários em locais sem mão de obra qualificada, cidade sem infraestrutura adequada de água, esgoto e energia e muitos outros problemas que tornam a hotelaria de lazer tão complexa.


Detalhe: uma operação de multipropriedade é ainda mais complexa e difícil. Eu hoje digo com muita tranquilidade que consigo operar dezenas de hotéis econômicos sem nenhum estresse. É muito fácil quando comparado com um resort.


Esse nível de complexidade é um dos motivos pelos quais muitos novos entrantes procuram parcerias com incorporadores de multipropriedade experientes. O problema é que a grande maioria deles, os principais, já possem uma enorme quantidade de projetos em operação e no pipeline. Eles são muito demandados por ofertas de terrenos e parcerias em todo o Brasil e têm uma capacidade limitada de crescimento, que na maioria das vezes já foi alcançada.


Além disso, eles não têm interesse em ser parceiros de um incorporador iniciante, entrando com todo o know-how e dividindo os resultados. Por que fazer isso se eles podem fazer incontáveis empreendimentos sozinhos e ficar com os resultados completos para eles?


Ainda tem o problema adicional de alguns incorporadores de multipropriedade terem sérios problemas de governança e credibilidade, o que muitas vezes não é do conhecimento de quem está começando agora no negócio e está por fora das entranhas e bastidores do setor. Claro que são minoria e que a maioria é de gente séria, mas já vi algumas pessoas se arrependerem profundamente de ter feito negócio com algumas empresas pelo fato se elas serem muito conhecidas no setor, para só depois chegarem à conclusão de que muitas vezes é melhor estar só do que mal acompanhado. E esse é um passo muito difícil de ser desfeito.


Depois de ler esse texto, você pode chegar à conclusão de que o negócio de Multipropriedade não é bom. Ao contrário, é fabuloso e está revolucionado tanto o setor imobiliário quanto o turístico no Brasil. E isso não tem volta mais.


Qualquer empresários dos setores imobiliário e de turismo precisa gastar energia avaliando a entrada nesse segmento. Não há o que se falar em desenvolvimento de destinos turísticos e empreendimentos de segunda residência sem a multipropriedade.

As margens podem ser espetaculares se o negócio for bem gerido e as empresas que entram no setor têm grande chances de mudar de patamar e atingir níveis de receita impensáveis quando se trata da atuação clássica no setor imobiliário ou hoteleiro.


A Multipropriedade é um mar de oportunidades poucas vezes vistas no Brasil. Portanto, o problema não está no setor de Multipropriedade, mas na ilusão de alguns empresários que querem entrar no segmento pela metade, querendo colher as partes boas, sem se envolver nas partes ruins.


Esse texto é um alerta de que isso não vai funcionar e uma tentativa de que você descubra isso hoje, enquanto ainda não se decidiu ou ainda dá tempo de fazer ajustes antes que grandes dores de cabeça e prejuízos apareçam.


Odeio as pessoas que falam “Eu disse que iria acontecer e você não me ouviu”, mas dessa vez eu serei uma dessas pessoas. Eu alertei. Se você não quer ouvir, colha as consequências;

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