Após o sucesso do primeiro NORDESTE INVEST e a criação da ADIT, começamos a planejar nossas ações para captação de investimentos internacionais. Naquela época, “investimentos internacionais” era sinônimo de “investimentos europeus”. Os investimentos americanos e asiáticos eram inexistentes na região e os países europeus que mais se destacavam eram Portugal, Itália, Espanha, Noruega, Inglaterra e Irlanda.
Naquele cenário de bolha do setor imobiliário internacional, os maiores mercados de investimentos em segunda residência eram a Inglaterra e a Irlanda. Eram esses países que alimentavam o boom na Espanha e em todos os demais países.
Por conta disso, e do fato da presença dos investidores desses países ainda ser muito tímida no Brasil, começamos nossos trabalhos por lá. E não começou bem.
Pouco antes de nossa primeira viagem para o exterior, exatamente para Dublin e Londres, houve uma tentativa de atentado em um voo de Londres para Nova York onde o terrorista escondeu a bomba no seu sapato. Como reação a isso, os aeroportos implementaram toda uma nova série de procedimentos de segurança que geraram um caos aéreo.
No meio dessa loucura toda estava o nosso voo que fazia conexões em Lisboa e Londres com destino a Dublin. Chegaríamos à noite na capital irlandesa e teríamos uma apresentação para alguns dos principais investidores do País na embaixada do Brasil às 9h00 da manhã do dia seguinte. Também iríamos participar da feira The Property Investor Show.
O problema é que nós chegamos em Dublin, mas nossas malas não chegaram. Não só as malas pessoais, como todo o material para a nossa participação na feira imobiliária. E como chegamos tarde da noite, e nossa apresentação para os investidores começaria no primeiro horário do dia seguinte, não havia tempo para comprar roupas adequadas.
Foi assim, vestindo a calça jeans mais confortável e velha que eu tinha, apropriada para viagens longas, e uma camisa amarela toda amassada que me apresentei na Embaixada no dia seguinte. Fomos muito bem recebidos pelo embaixador, um verdadeiro gentleman de quem viramos amigos e que participou inclusive do NORDESTE INVEST 2007 em Salvador.
Mas nem toda a cordialidade do embaixador e a devida justificativa conseguiam acabar com a má impressão dos investidores de dar de cara com um representante brasileiro naquele estado. Na feira, a situação não foi muito melhor, com o nosso stand ficando vazio e a gente sem material para distribuir. Ainda participamos de um seminário e fizemos vários contatos, mas confesso que não foi a estreia que esperávamos.
De lá fomos para Londres para realizar uma apresentação na Embaixada Brasileira. Nesse meio tempo nossas malas iam chegando aos pouquinhos. Eu estava em contato direto com o Vice-Presidente da TAP, que se esforçou para resolver o problema, mas mesmo assim a minha mala foi a última a chegar, já no nosso derradeiro dia em Londres.
Uma curiosidade que chama a minha atenção até hoje é que comprei algumas camisas em Dublin que estão em perfeito estado e uso até hoje, 14 anos depois. Qual é a chance de isso acontecer com um produto brasileiro?
Entre o evento em Dublin e a apresentação na embaixada em Londres, realizamos um Road Show com inúmeras reuniões com investidores, o que seria ótimo se não fosse pelo meu inglês enferrujado.
Eu tinha estudado inglês a vida inteira na escola e na Cultura Inglesa, além de ter feito intercâmbio em Brighton na Inglaterra e viajado como mochileiro pela Europa, mas faziam 12 anos que eu não praticava. Tinha perdido a fluência e não conseguia entender muita coisa.
Por isso, logo após a primeira edição do NORDESTE INVEST, já sentindo o quanto o inglês seria necessário, tive a felicidade de encontrar o melhor professor de inglês que poderia ter tido. Peter Focke, um alemão radicado em Maceió, tinha tido experiência profissional com os mercados imobiliário e turístico na Europa. Nós tínhamos aulas diárias deliciosas onde eu aprendia de tudo e não somente inglês. Batíamos alto papos e o tempo passava voando.
Meu método principal era preparar uma apresentação em português e pratica-la em inglês. Também estudava muito gramática em livros e folhetos do setor imobiliário em uma época que ainda não existiam os aplicativos como o Duolingo e similares.
Mas mesmo esse esforço concentrado de vários meses não foi suficiente para mascarar as minhas deficiências. A cada reunião ou palestra que eu participava ficava claro que meu inglês não era digno de um representante do Brasil.
Quem me ajudou muito foi o meu amigo Cristiano Teixeira da construtora Norcon de Sergipe, então uma das maiores do Nordeste. Recém-chegado de nove anos em Boston, o seu inglês era praticamente nativo. Um belo dia tive a sacada de pedir a ele para, em vez de reclamar do meu inglês, anotar todas as falhas que eu cometia em cada reunião e me corrigir ao seu término. Foi um santo remédio e ao fim dos quinze dias de viagem o meu inglês já começava a pegar tração.
Mas se o começo foi com o pé esquerdo o resto da nossa caminhada internacional foi com o pé direito. Começamos a participar das principais feiras e eventos do mercado imobiliário internacional, do qual começamos a ser parte integrante. Essa fase serviu para mostrar como o mundo é pequeno. Erámos sempre as mesmas pessoas nos eventos e viramos amigos de muita gente. Passamos a ser visto como membros da indústria imobiliária internacional.
Lembro que há alguns anos fui convidado para o painel principal do evento do COFECI, que seria sobre mercado internacional, junto com o Presidente da NAR americana e o Presidente mundial da FIABCI porque sempre que os organizadores do evento iam ao exterior as pessoas perguntavam por mim e pelo Romeu Chap Chap, que também foi meu companheiro nesse painel. Foi motivo de muito orgulho para mim ter sido referência do Brasil lá fora por algum tempo.
Nesse começo, precisávamos explicar o básico para os investidores. O Brasil ainda não era o queridinho do mercado internacional e éramos encarados como um país exótico, sempre junto a algum país africano ou asiático nos eventos em que participávamos.
Os investidores não conseguiam nos diferenciar do resto da América Latina. Para eles era tudo uma coisa só. Tínhamos que mostrar a nossa localização no mapa e explicar que não éramos a Argentina e a Venezuela, que estavam passando por mais uma de suas crises naquele momento. Tudo bem caricato mesmo.
Umas das primeiras iniciativas nossas foi a contratação de empresas de relações públicas e matchmaking em Londres, Nova York, Lisboa e Madrid. Em 2008, eu cheguei a selecionar a empresa que nos representaria em Dubai, mas foi exatamente quando a crise explodiu e a coisa não foi para frente.
A contratação dessas empresas foi uma das decisões mais acertadas que tomamos. Elas nos ajudavam não só no relacionamento tradicional com a imprensa, mas acabaram virando verdadeiras representantes nossas em seus países. Elas identificavam potenciais investidores, ajudavam na organização dos eventos e nos municiavam com informações.
Enquanto o relacionamento com algumas dessas empresas foi protocolar e ficou restrito ao campo profissional, com outras gerou uma amizade e carinho que perdura até hoje, tantos anos depois. Nossas amigas Leonor Nascimento e Fernanda Pedro, em Portugal, e Kerry Clark, em Londres, não só deram uma grande contribuição, com as considero parte da própria ADIT.
Nessa época tínhamos um estreito relacionamento tanto com a mídia especializada, como com a grande mídia nesses países. Nós éramos fonte frequente dos principais jornais e revistas e chegamos a ficar amigos de vários dos seus correspondentes no Brasil, como no caso do Financial Times.
Para se ter uma idéia, através da nossa parceria com a APEX, trouxemos ao Brasil 15 jornalistas em 2007 e 25 em 2008, iniciativa que continuou a ocorrer nos anos seguintes. A mesma coisa se repetiu com os investidores internacionais. Entre 2007 e 2010 trouxemos mais de 100 investidores para o Nordeste brasileiro. Tanto para eles, como para os jornalistas, pagávamos a passagem e hospedagem e organizávamos roteiros onde eles visitavam os destinos turísticos, empreendimentos dos associados, se encontravam com autoridades nordestinas, participavam de nossos eventos e, no caso dos investidores, das rodadas de negócios.
Entre 2006 e 2009 participamos ou organizamos mais de 30 eventos internacionais em vários países. Além dos constantes seminários e workshops que organizávamos em Portugal, Espanha, Inglaterra e Nova York, éramos presença constantes em eventos como MIPIM e MIPIM Horizons em Cannes, Salão Imobiliário de Lisboa, Salão Imobiliário de Madrid, Barcelona Meeting Point, OPP Live, The Property Investor Show, A place in the sun, Overseas Property Investor Live, Cityscape EUA, Cityscape Dubai, entre outros.
Enquanto as feiras na Inglaterra e Irlanda eram mais modestas, com stands normais e com a presença de muitas incorporadoras e imobiliárias especializadas em segunda residência, as feiras em Portugal e especialmente na Espanha eram deslumbrantes. Os excessos causados pela bolha imobiliária também podiam ser vistos em suas feiras imobiliárias. Eram vários pavilhões e cada um com stands mais grandiosos do que os outros. Foi realmente uma era de exuberância.
Como não tínhamos muita verba e os stands eram pagos em Euro ou Libra, tínhamos que nos virar para não fazer feio. E a maneira que utilizamos foi levar um pouco da exuberância da nossa natureza para nossos stands, que eram decorados pela talentosa arquiteta Mirna Porto com os mais diversos tipos de flores tropicais. Realmente a gente conseguia se diferenciar dos demais stands que tinham investimentos milionários. Com a criatividade da Mirna e o esforço operacional e o controle de custos do Peixoto Accyoli posso dizer orgulhosamente que não fizemos feio.
Mas pelo menos uma vez isso não deu certo. Foi durante uma edição do MIPIM em Cannes. Após passarem o dia todo de montagem, Peixoto e Mirna estavam cansados e felizes com a beleza do stand. Porém, quando os bombeiros passaram para fazer a vistoria de segurança, eles colocaram fogo em uma das folhas e ela queimou um pouco. Foi o suficiente para que eles não aprovassem o nosso stand e o Peixoto e a Mirna tiveram que passar a madrugada inteira refazendo-o. Conseguiram. Eles sempre conseguiam.
Um ponto negativo de toda a euforia que varria a Europa era o grande número de incorporadores e imobiliárias internacionais comercializando abertamente empreendimentos sem qualquer regularização. Mesmo os grupos estrangeiros com os maiores projetos no Nordeste não tinham o menor pudor em vender empreendimentos que não tinham alvará e licença ambiental. Em 2008 chegamos a desenvolver um certificado de regularidade para os empreendimentos, mas com o advento da crise ele perdeu o sentido, pois esse mercado deixou de existir.
Hoje em dia deve ser difícil para alguém que não viveu aquele período de exuberância entender a dimensão do que aconteceu. Empreendimentos inteiros eram vendidos em um final de semana. Eu vi um amigo vender 500 apartamentos em Cabo Verde em um único final de semana na Irlanda. Eu mesmo vendi um prédio inteiro de um amigo de Maceió também em um final de semana. Esse amigo me pediu ajuda em uma sexta-feira. Cara sério e do bem, eu liguei para uma imobiliária de um amigo em Londres avalizando a pessoa e o empreendimento e na segunda-feira todas as unidades tinham sido vendidas.
Visitei uma central de telemarketing em Marbella na Espanha e outra em Canary Wharf em Londres. As vendas eram feitas por telefone e os clientes pagavam o sinal com o cartão de crédito. Era surreal. Naquela época uma mansão de quatro quartos à beira-mar no Brasil ou na Tailândia tinha o mesmo preço de uma garagem no bairro de Chelsea, o que acredito que ainda aconteça hoje em dia com o câmbio atual.
Dessas andanças lembro de duas curiosidades. A primeira era a enorme popularidade que o Rio Grande do Norte tinha no mercado internacional de segunda residência. Era impressionante e totalmente desproporcional à sua representação no turismo nacional. Os clientes e as imobiliárias na Inglaterra e nos países nórdicos já chegavam perguntando se era em Natal. Se não fosse, eles não tinham interesse.
E a segunda curiosidade era a disputa cômica entre os secretários de turismo dos estados nordestinos em relação à proximidade com a Europa. Era constrangedor ver em um mesmo evento, um após o outro, falar que seu estado era o mais próximo de Portugal e da Espanha, mesmo quando seu estado não possuía vôos para esses países. Nesses momentos é que conseguíamos ver a enorme diferença que havia entre os Secretários com perfil técnico e profissional daqueles com perfil mais político.
Foi em 2007 que começamos também uma longa tradição da ADIT e que se mantém até hoje: as missões técnicas. Nesse ano realizamos nossa primeira missão técnica a Portugal onde um grupo de empresários brasileiros visitou as principais comunidades planejadas do País, como Vale do lobo, Quinta do lago, Vilamoura, Tróia, Playa D’El Rey, entre outras que já não me recordo.
No ano seguinte, foi a vez de conhecermos a experiência do México e da república Dominicana, onde vistamos os principais empreendimentos desses países, nos reunimos com autoridades e com alguns dos seus principais players.
Na República Dominicana encontramos uma série de resorts all inclusive repletos de norte-americanos e europeus e um país com infraestrutura bem inferior à que tínhamos no Nordeste. Naquele momento estavam em desenvolvimento grandes complexos imobiliário-turísticos que visitamos, como CapCana e Westin Puntacana. Ficou a lição sobre a importância do acesso aéreo e de se estar próximos dos mercados emissores.
Já no México visitamos Cancun e especialmente a Riviera Maya, que tem a deliciosa Playa del Carmen como centro nervoso. Playa del Carmen é o equivalente mexicano de Pipa ou Praia do forte. Fiquei encantado com a qualidade e atratividade do destino turístico, com suas praias cristalinas, cenotes (rios subterrâneos), parques naturais e monumentos maias. Com destinos como esse no meio do caminho entre os Estados Unidos e o Brasil começou a cair a ficha de que dificilmente conseguiríamos atrair os americanos para cá.
Uma coisa que me chamou a atenção nessa visita foi o fato de que estávamos muito mais avançados do que o México no que se refere à proteção ambiental. Um fato característico foi que as nossas caminhadas pela praia antes de começar o dia de trabalho eram sempre interrompidas por hotéis ou restaurantes construídos literalmente dentro da praia. Caminhávamos até bater em algum e voltávamos até bater em outro.
Outro fato curioso aconteceu quando visitamos o maravilhoso projeto Mayakoba, meu preferido no mundo, onde os deslocamentos são feitos pelos cenotes por barcos elétricos. Estávamos acompanhados de gestores ambientais de Governos nordestinos e todos ficaram chocados quando vimos que eles tinham suprimido 60 hectares de mangue para fazer o seu campo de golfe. Isso é absolutamente impensável no Brasil. Mas no decorrer da visita, nossos anfitriões chegaram a nos convencer de que essa supressão tinha sido benéfica para o meio ambiente, pois tinha gerado uma recuperação da fauna e flora das demais áreas de mangue. Porém, nossa boa vontade com o rigor ambiental deles só durou até chegarmos no restaurante para almoçar. Ele tinha sido construído na areia da praia.
Esse foi um resumo da experiência internacional que tivemos nos primeiros anos da ADIT. Foram anos intensos, mas tudo o que fazíamos lá fora tinha como intuito a geração de negócios aqui no Brasil. No próximo artigo dessa série irei detalhar as inúmeras ações e eventos que realizamos no Nordeste e como era o modus operandi da entidade.
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