Todos nós estamos cansados de ouvir falar das virtudes do Mindfulness, ou Atenção plena. Se tem algo que virou moda e é mainstream ultimamente é o mindfulness. Está em todo lugar e ultrapassou a barreira do desenvolvimento pessoal entrando com tudo no mundo corporativo. Os livros, cursos e reportagens abundam. Se você quiser ser “in” hoje em dia, você precisa praticar ou, ao menos, falar a respeito de Mindfulness.
Eu mesmo adoro a idéia e estou sempre recorrendo à atenção plena quando minha cabeça fica vagueando perdida em pensamentos. Inclusive até já dei dicas sobre como domar a mente em alguns textos anteriores.
Mas como bom questionador, alguém que tem orgulho de não seguir cegamente nenhuma ideologia, algumas coisas sempre me incomodaram em relação ao mindfulness:
· Se a atenção plena é tão boa porque ela não é o sistema padrão do nosso cérebro?
· Porque passamos tão pouco tempo em Mindfulness?
· Porque é tão difícil se manter em estado de consciência plena?
Por mais que a gente queira, é impossível se manter o tempo todo em atenção plena. Qualquer um que tentou meditar sabe disso e acaba ficando frustrado com as constantes escapadinhas da mente; escapadinhas que não conseguimos controlar.
Embora a mentalidade da consciência plena de “estar aqui e agora” tenha de fato suas vantagens, é um erro pensar que é o único estado positivo. Além disso, o pensamento consciente, que nos mantém atentos ao que está acontecendo no momento presente, tem uma capacidade de processamento muito limitada.
A atenção plena requer muito poder de processamento cognitivo e seria impossível funcionarmos e fazer tudo o que tem que ser feito em um dia normal se tivéssemos que nos basear apenas nela. Por isso que são necessários atalhos mentais para viabilizar a nossa existência.
Sinceramente, e sem querer magoar os adeptos do Mindfulness, eu não consigo ver uma vida plena baseada apenas na Atenção plena. Uma vida bem vivida, com alegrias, tristezas, interações, diversões, sonhos, realizações não consegue ser vivida em estado de atenção plena e no momento presente.
Vejo a atenção plena muito mais como uma fuga dos momentos ruins da vida. Quando queremos fugir do passado, do presente e do futuro, bem como dos devaneios da mente, adotamos a atenção plena, que é a ausência de sentimentos e emoções. Não é essa a vida que eu quero para mim.
Lembro de uma metáfora onde a nossa mente consciente seria um golfinho dando pulos para fora da vastidão do oceano da inconsciência, mas sempre voltando depois para o fundo do mar. De vez em quando o golfinho fica nadando na superfície, com parte do corpo dentro do oceano e parte fora. Algumas vezes dá até para a gente perceber quando ele vai pular. Com nossos pensamentos acontece algo muito similar e devemos ter a humildade de reconhecer o tamanho e a importância do inconsciente em nossas vidas.
O fato é que nossa mente está sempre vagueando aleatoriamente, no passado e, em especial, no futuro, e essa é nossa predisposição natural. Nossa mente passa 50% do tempo distraída, andarilha e sem controle algum nosso. Por alguma razão evolutiva esse é o nosso estado natural. Então porque ao invés de demonizá-lo não tentamos entendê-lo e descobrir as suas vantagens?
É isso que vou tentar fazer nesse texto.
O estado de Mindlessness, ou mente distraída, é o estado de inconsciência e auto piloto onde as informações são processadas automaticamente e sem esforço intencional. Esse pensamento automático nos ajuda a preservar nossos recursos mentais, deixando-os reservados para atividades mais importantes.
No estado de Mindlessness nossa mente e nosso corpo já sabem o que fazer. Por exemplo, não precisamos nos concentrar para respirar ou cheirar. Da mesma maneira que quando acordamos já temos uma rotina automática do que fazer, como lavar o rosto e escovar os dentes, que não nos requer qualquer necessidade de concentração mental. Quando vamos fazer compras em um supermercado já sabemos que o caixa fala português, qual é a unidade monetária e conseguimos reconhecer sem esforço as frutas. Nesse estado, as coisas acontecem automaticamente, baseadas em decisões intuitivas e instintivas e em todo o nosso processo evolucionário. Já sabemos que essas atividades não nos impões risco e como elas funcionam.
Todos nós já nos vimos em estado de piloto automático, fazendo as coisas sem nem saber como as fizemos. O exemplo clássico é o de dirigir automóvel, quando saímos do trabalho, por exemplo, e dirigimos até a nossa casa sem nos dar conta de como o fizemos.
O Mindlessness também usa e abusa da categorização. Quando vemos uma pessoa desconhecida nós automaticamente a colocamos em determinada categoria: esquisita, perigosa, elegante, divertida, inofensiva, rica, pobre. Isso acontece para economizar nossas energias e encaixar o que acontece no mundo em nossa experiência de vida.
Outro grande benefício do Mindlessness é a criatividade. Hoje existe um consenso de que uma mente distraída é uma mente criativa. A distração é o solo fértil em que as melhores ideias nascem.
Uma pesquisa realizada no Reino Unido demonstrou que os dois momentos que mais originam idéias é a ida e volta para o trabalho e o banho. E, sinceramente, eu nem precisava saber o resultado dessa pesquisa, pois é exatamente assim que acontece comigo. Apesar de que no meu caso ainda tem um terceiro momento: a madrugada, quando estou com sono leve ou acordo para ir no banheiro, por exemplo. Já tive grandes idéias dirigindo, tomando banho e ao acordar de noite. E tenho a leve impressão que isso não acontece somente comigo. Elas surgem do nada e claramente estavam incubando lá dentro.
Isso faz ainda mais sentido quando sabemos que quando a mente vagueia, nossa atividade cerebral é quase a mesma de quando estamos descansando. As ideias colidem, e a criatividade aparece por acaso.
Está cada vez mais claro que da mesma maneira que nosso corpo precisa de sono e exercícios, nosso cérebro também precisa relaxar e flutuar para revelar novas idéias e consolidar informações.
E é exatamente no campo da tomada de decisão que o Mindlessness também floresce, geralmente usando a mente inconsciente em conjunto om a mente consciente, especialmente no que se refere às decisões mais complexas e que exigem um esforço cognitivo maior. Uma técnica que funciona muito bem é tomar a decisão dessa maneira:
1. Fique algum tempo pensando conscientemente na situação.
2. Pare.
3. Faça uma atividade qualquer, sem relação com a situação, para ter um período de incubação.
4. Tome a decisão.
Outra técnica Mindlessness é utilizada para quando estamos estagnados sem conseguir tomar uma decisão. Ela é bastante simples e efetiva. Simplesmente estabeleça um prazo extremamente curto para tomar a decisão, tipo 10 segundos. Após esse período, o seu inconsciente terá agido e você não precisa mais gastar energia nisso.
Outras maneiras de deixar o seu inconsciente lhe ajudar na tomada de decisão é reunir as informações necessárias e pensar muito a respeito passe um tempo sem pensar nisso, sem pressa, deixando o inconsciente fazer a sua parte.
Também é importante planejar não planejar, passando um tempo afastado das atividades e estando sempre atento e pronto para captar as idéias que vão surgindo.
Eu mesmo mudei bastante algumas atitudes minhas baseado nisso. Hoje em dia tenho consciência de que é necessário dar um tempo quando é preciso tomar uma decisão mais importante. Antigamente eu achava que isso era procrastinar, mas hoje entendo a sua importância e já vi os benefícios dessa técnica. Parece que a ciência está mais uma vez confirmando a cultura popular. Nesse caso, o ditado “durma com o problema”.
Mas claro que nem as decisões baseadas em instinto nem as decisões baseadas considerações cuidadosas estarão sempre certas. Não existe fórmula e tudo varia com a pessoa, o assunto, o momento. Mas certamente, dar um pouco mais de espaço ao seu inconsciente na hora da tomada de decisão vai lhe fazer muito bem.
O meu objetivo aqui nesse texto não foi dizer que Mindlessness é melhor do que Mindfulness, mas que ambos são importantes e têm suas funções. As pessoas mais bem-sucedidas serão aquelas mais psicologicamente flexíveis para transitar entre o mindfulness e o Mindlessness, tirando vantagem das qualidades e benefícios de cada um desses estados mentais e evitando seus pontos negativos.
Comments