Boa notícia: a TINA chegou no mercado imobiliário brasileiro
- Felipe Cavalcante
- 29 de jan de 2021
- 6 min de leitura
Muita gente está surpresa com a rápida recuperação das bolsas de valores americana e brasileira após uma crise tão aguda quanto a que vivemos com a pandemia do COVID. Vai contra tudo o que aprendemos com a história e não guarda correlação com nenhuma outra crise que já vivemos, seja pela intensidade da queda, seja pela intensidade da recuperação.
O desempenho do mercado imobiliário durante os meses de maio e junho também surpreendeu muita gente, inclusive a mim. Houve, sim, uma certa retração em abril, mas logo a seguir, testemunhamos uma retomada das vendas, com destaque especial para os loteamentos.
E é aí que nos perguntamos: como isso pode ser possível em um cenário com tanta destruição de valor na economia real, aumento do desemprego e insegurança em relação ao futuro?
Se tem uma coisa que eu aprendi é a não querer responder esse tipo de pergunta com firmeza, pois o mercado é simplesmente muito complexo e absolutamente ninguém o entende perfeitamente.
Mas uma das razões está muito clara e ela se chama TINA.
O Efeito TINA é um acrônimo de “There Is No Alternative” - Não há alternativa, em português, e é utilizado quando as taxas de juros estão tão baixas que não existe alternativa a não ser investir em determinadas classes de ativo, mesmo quando os seus preços não refletem os seus fundamentos.
Geralmente o Efeito TINA é direcionado para a bolsa de valores, mas aqui no Brasil estamos vendo ele se refletir também no mercado imobiliário.
Mas antes de entender o impacto que terá no mercado imobiliário brasileiro nos próximos anos, vamos entender um pouco melhor de onde a TINA vem e como funciona.
TINA é uma abreviação criada pelo filósofo Herbert Spencer e que depois foi incorporada pela Primeira Ministra Margaret Thatcher. Sempre que alguém criticava o capitalismo e o livre mercado, eles diziam: “There is no alternative. ”
Com o passar do tempo, o mercado financeiro se apropriou do acrônimo e nesses tempos de taxas de juros em mínimas históricas e até negativas, a TINA virou protagonista dos rallys das bolsas mundiais e não mais uma mera coadjuvante.
Muitas pessoas se perguntam como os investidores continuam a investir mesmo em finais de ciclo de Bull Market, quando os valores dos ativos estão totalmente descolados da realidade. Parte da resposta é exatamente a falta de alternativas viáveis, especialmente quando falamos de gestores de recursos institucionais que precisam atingir e superar determinados benchmarks. O que pode fazer um gestor de fundo de pensão sentado em bilhões de reais ou dólares e com meta atuarial de 8% ao ano em um cenário com as taxas de juros atuais?
Quando muita gente pensa assim, ocorre uma profecia auto realizada com o contínuo fluxo de recursos gerando uma valorização dos ativos. E mesmo quando eles percebem os riscos envolvidos, continuam investidos devido à falta de alternativas.
Para jogar mais tempero na equação, as consistentes projeções de taxas de inflação baixas reduzem tanto as incertezas quando ao futuro, quanto os riscos de aumento das taxas de juros pelos Bancos Centrais, dando mais combustível para a TINA, já que o mercado é movido a expectativas e confiança no futuro.
No Brasil isso tudo é muito novo. Nunca tínhamos lidado com nada parecido. Simplesmente não fazia sentido investir em nada produtivo devido às taxas de juros praticadas por aqui.
Com a recente queda da taxa de juros, já testemunhamos uma explosão dos investidores pessoa física na bolsa de valores e o setor de Fundos Imobiliários foi um dos mais afetados positivamente por essa euforia.
Todo esse cenário tem também um outro ator, o primo mais conhecido da TINA, o FOMO, ou “Fear Of Missing Out” – “Medo de ficar de fora”, em português. Acrônimo criado pelo estrategista de marketing Dan Herman, e já velho conhecido dos investidores, inclusive de startups, o FOMO tem sido um constante terror dos investidores ao longo dos séculos.
É o FOMO que impele as pessoas a entrarem em bolhas e mercado aquecidos. O medo de perder ou ficar de fora de uma excelente oportunidade e até de ser tachado de bobo induz muita gente boa ao erro.
Ele também é um importante elemento do Efeito Manada. Muitos gestores de recursos, a grande maioria, na verdade, prefere correr riscos e perder junto com todo mundo do que ter a coragem de seguir contra a corrente, pois quando ele falha sozinho, foi ele quem falhou e a mancha vai ficar no seu currículo, enquanto quando ele falha junto com o mercado, a culpa é do mercado.
Apesar de andarem juntos, a minha percepção é que a TINA precede o FOMO, fornecendo o combustível inicial do Bull Market. Depois que a tração inicial se consolida e toma grandes proporções, o FOMO vai assumindo o seu protagonismo e trazendo ainda mais pessoas para a ciranda.
Mas a TINA não atua somente com investimentos. Ela também adora a política. Na Índia ela é usada usualmente no ambiente político para nominar situações onde, na falta de políticos melhores, as pessoas são obrigadas a votar em quem está à mão. Soa familiar?
Pois é, aqui no Brasil a TINA, mesmo sem ter sido apresentada formalmente à nação brasileira, é uma velha conhecida das eleições de segundo turno, onde menos do que votar no melhor, acabamos votando no menos pior, simplesmente pela falta de alternativa.
Tendo dado toda essa contextualizada, vamos falar um pouco agora sobre o que podemos esperar da TINA no mercado imobiliário brasileiro nos próximos anos.
Um ponto importante é que ao contrário de outros mercados e momentos onde a TINA gera um descompasso entre os preços dos ativos e seus fundamentos, no mercado imobiliário brasileiro a coisa é diferente, pois os fundamentos dele são sólidos.
Além do brutal déficit imobiliário brasileiro, que nem o maciço investimento no Minha Casa Minha Vida foi capaz de reduzir, tivemos anos de demanda reprimida devido à crise de 2013-2016 e, o mais importante de tudo, a enorme revolução que a redução do custo do crédito está prestes a fazer no setor imobiliário brasileiro.
Para vocês terem noção do impacto que a taxa de juros terá no setor, segue estudo da Abrainc mostrando o impacto da redução de juros, considerando o financiamento de um valor de R$ 200.000,00. Os cenários seriam os seguintes:
· Com uma taxa de juros de 12% a.a., a renda mínima para o financiamento seria de R$ 9.283,00 e existiram 5.590.000 famílias elegíveis.
· Com uma taxa de juros de 6% a.a., a renda mínima para o financiamento seria de R$ 6.200,00 e existiram 10.398.000 famílias elegíveis.
Além desse imenso fluxo de novas famílias elegíveis para aquisição de suas casas próprias, temos ainda o fato de que estamos apenas no começo do ciclo. O setor estava pronto para decolar antes da crise do COVID, sofreu uma pequena pausa, mas teremos alguns anos de desempenho positivo pela frente, correndo até o risco de vivenciarmos um pouco de euforia novamente.
Ou seja, se confirmando esse cenário, este é o melhor momento para investir no mercado imobiliário, no início de um ciclo de alta, onde o pior já passou e o futuro está relativamente previsível.
Esse movimento irá afetar tanto o mercado imobiliário real, de tijolos, como também o mercado imobiliário na bolsa. Já estávamos vendo a retomada dos IPOs e Follow Ons.
Depois dessa breve parada, já temos ciência de inúmeras incorporadoras se preparando para acessar a bolsa e se tornarem públicas. Na minha opinião, veremos algo no mínimo com a mesma intensidade que testemunhamos entre 2005 e 2007 em relação à abertura de capital.
O setor também será profundamente afetado positivamente pelo aumento do interesse pelos fundos imobiliários – FII. Seu crescimento exponencial nos últimos dois anos parece ser apenas um aquecimento para o que vem pela frente, até porque os FII são a porta de entrada da pessoa física mais tradicional para a renda variável, pois além de ter menos volatilidade, é mais facilmente compreensível pelas pessoas físicas, que entendem que estão comprando imóveis, terão rendimentos mensais, verão o ativo se valorizando e, joia da coroa, são isentos de tributação.
Dentro do imobiliário, um segmento que foi especialmente beneficiado pela crise e por todo esse cenário de dominância da TINA foi o de loteamentos. Além de ter todos os atributos dos demais setores imobiliários, ele está contando ainda com a percepção das pessoas sobre a possibilidade de morar com maior qualidade de vida devido ao trabalho remoto e com a percepção de que morando em residências unifamiliares a segurança sanitária é maior.
Um ponto que pode ser questionado é o fato de que efetivamente veremos uma redução da atividade econômica e um aumento do desemprego, fatores que sempre influenciam negativamente o mercado imobiliário. Sem sombra de dúvidas, são elementos que reduzirão a demanda. Porém, acreditamos que o Efeito TINA será suficiente para contrabalançar esses efeitos negativos devido ao aumento da quantidade de famílias que conseguirão acessar o crédito imobiliário e à total falta de alternativas que os investidores, grandes ou pequenos, terão na hora de alocar os seus recursos.
Pois é, amigos, parece um sonho. Lembro bem de quando eu ia para a Europa e EUA promovendo o Brasil como destino de investimentos imobiliários e ficava me perguntando se algum dia eu veria os juros que eles praticavam lá sendo praticados por aqui. Confesso que eu não nutria esperanças, mas pelo jeito, ao menos pelos próximos três anos, nós viveremos um período de grandes alegrias para o setor imobiliário brasileiro. E nós merecemos isso. Os últimos anos foram muito duros. Que comece a festa!
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