No primeiro dia apareceu uma pequena coceira na garganta. Muito incipiente e distante. Esse é o típico momento onde a gente fica sem saber se tem alguma coisa ou se é paranoia. Era muito leve e fiquei monitorando.
No segundo dia, aumentou um pouco, porém como não aparecia o tempo todo ainda ficava sem saber se havia algo ou não.
No terceiro dia, ela chegou, sem dúvidas, com dor de cabeça, dor no corpo, febril e indisposição.
Minha esposa já estava com covid e tínhamos convivido por dois dias antes dos sintomas dela se manifestarem claramente e ela testar positivo. Ela ficou no quarto em quarentena e eu me mudei para um outro quarto que servia de atelier para ela. O quarto era repleto de pedações de couros, equipamentos e ferramentas, mas me adaptei bem, sem problemas. Nunca fui de ligar muito para as coisas. Quando fiz faculdade em Recife, morei anos dormindo em um colchão, sem cortina no quarto, com um armário caindo aos pedaços e nunca consertei o banheiro social.
Apesar dos vários sintomas, o principal que ela estava sentindo era a dor no corpo, especialmente nas costas. Houveram noites que ela não conseguiu dormir de tão grande que era o incômodo.
Inicialmente, nós deixávamos a comida para ela na porta do quarto, mas depois colocamos uma pequena mesa desmontável. Ela comia, colocava a louça e talheres em uma bacia com sabão e deixava uma hora lá. Depois nós a recolhíamos. Qualquer coisa que precisávamos pegar no quarto, ela higienizava com álcool.
Colocamos uma cadeira na porta do quarto e ficávamos batendo papo com ela. Sempre que abríamos a porta, tanto ela, quanto eu e meu filho, colocávamos as máscaras.
Não sabíamos se iríamos pegar ou não. Haviam inúmeras estórias de pessoas em uma mesma casa onde, apesar da convivência próxima, uma pessoa pegava e outra não.
Depois que eu também testei positivo, invertemos as coisas e deixamos nosso filho isolado em seu quarto. Separamos louças e talheres para ele, mas nós e ele ainda íamos à cozinha em momentos distintos. Sempre que nós íamos colocávamos álcool nas mãos e nos locais em que tocávamos, como interruptores, micro-ondas, gelágua e geladeira. Mas claro que não dava para passar álcool em todos os lugares que tocávamos.
Também só andávamos com máscara pela casa e evitamos ficar na sala. Colocamos uma mesa pequena em nosso quarto para fazer lá as refeições.
Mas era preciso sair de casa para fazer exames e uma coisa que me chocou foi ver a total falta de cuidado nos laboratórios e hospitais. Quando fui fazer o exame de PCR para verificar se eu estava com COVID, fui cheio de dedos ao laboratório. Quando cheguei lá, entrei e não vi nenhum álcool em gel disponível. Fiquei sem saber o que deveria fazer, se deveria sentar ou não. Fiquei muito incomodado por eu estar abrindo a porta, pegando na maçaneta. Depois soube que um funcionário deveria estar sempre abrindo a porta e colocando álcool nas mãos das pessoas. Porém, nas quatro vezes que fui ao laboratório durante minha doença, ele só fez isso na última, quando eu já estava bom.
As atendentes do laboratório também não demonstravam muita preocupação. Soube depois que a maioria já pegou COVID. Uma delasa me deu a caneta para assinar o documento e não limpou nem antes nem depois. A mesma caneta foi dada a outra pessoa depois de mim.
No hospital onde fui fazer a tomografia, a mesma coisa. Atendentes supertranquilas e sem maiores cuidados de higiene e inúmeras pessoas suspeitas ou doentes ao lado de pacientes normais. Todo mundo circulando normalmente, pessoas com COVID falando sobre isso calmamente. Fico imaginando a quantidade de pessoas que pegaram COVID dentro dos hospitais. Realmente ficou claro que se alguém não quer pegar COVID, não deve ir a um hospital, laboratório ou clínica nesses períodos de alta contaminação.
Outra coisa que me chamou a atenção foi a enorme quantidade de pessoas conhecidas contaminadas por COVID nessa segunda onda. A impressão é que as pessoas das classes média e alta se protegeram muito bem durante a primeira onda e agora estava sendo contaminadas. Somente entre primos e tios de primeiro grau em cheguei a ter dez contaminados ao mesmo tempo em dezembro, sem contar eu, minha esposa e meu filho. E o mesmo fenômeno se repetia com amigos e colegas de trabalho.
Sem sombra de dúvidas a vida na quarentena colocou de vez as compras online no nosso dia-a-dia. Se comprar almoço e lanches por aplicativos já era parte da minha rotina, também passei a comprar remédios e fazer feiras no supermercado. Quanta comodidade. Em 30 minutos os remédios estavam em minha casa. Somente antibiótico que ainda não dá para comprar por aplicativo.
Os principais supermercados estão nos aplicativos. Acredito que dificilmente eu volte a fazer compras pessoalmente como padrão. A comodidade de escolher suas compras e fazer a feira deitado no sofá ou na cama não tem preço.
Mas além de pedir comida por aplicativo, tivemos a ajuda de minha mãe nos piores dias, quando minha esposa e eu estávamos mais abatidos. Todos os dias ela enviava o almoço para gente, com o bônus adicional do sabor de mãe.
Outra grande descoberta foram as receitas digitais. Eu ainda não as conhecia. O sistema se chama Memed (www.memed.com.br) e nele o médico envia por SMS ou Whats app a receita de remédio ou requisição de exame. Você pode apresentar o PDF ou o QR Code na farmácia ou no hospital. Antigamente eu teria que ir pegar pessoalmente a receita. Um médico de São Paulo enviou por esse sistema a receita de um remédio. Fantástico.
Uma comodidade adicional que tivemos foi a possibilidade de agendar os exames laboratoriais pelo whats app. Quando chegávamos ao laboratório, só precisávamos assinar a autorização do plano de saúde e de imediato já realizávamos o exame.
Por falar em comida, aqui em casa todos perdemos o olfato e somente eu não perdi o paladar. Quer dizer, perdi, mas não completamente. Isso serviu para a gente aprender a importância do olfato na nossa segurança. Em primeiro ligar para saber se uma comida está estragada. Não conseguimos cheirar maionese e mostarda que estavam há algum tempo na geladeira, por exemplo. Pior ainda foi quando deixamos uma comida no fogão e esquecemos, o que gerou um forte cheiro de queimado que somente meu filho sentiu, pois ainda não tinha perdido o olfato.
Também ficamos familiarizados com os exames e remédios que são necessários. A maioria das pessoas começa a tomar de imediato, e sem consultar médicos, o coquetel de remédios que inclui ivermeticina, cloroquina e azitromicina. Nós consultamos vários médicos e a orientação foi de tomar ivermeticina apenas uma vez e tomar azitromicina diariamente. Não tomamos cloroquina. Nenhum dos médicos em que confiávamos a receitou.
Ficamos impressionados como alguns médicos sugeriam tomar uma série de remédios. Invariavelmente acabávamos percebendo que esses médicos eram de especialidades que não tinham nenhuma ligação com a doença. Também percebemos que para alguns desses havia um forte componente político e ideológico em suas convicções.
Porém, depois que foi detectado o comprometimento do pulmão, a medicação teve que mudar e passamos a tomar fortes doses de antibiótico (Clavulin), corticoide (Predsim) e anticoagulante (Clexane). São fundamentais para reduzir os impactos do vírus no organismo e a chance de trombose e de infecções.
Mas claro que a razão principal para se tomar todo tipo de remédio é o fato de que aparentemente eles não fazem mal e na dúvida é melhor pecar pelo excesso. Não entramos nessa linha. Felizmente hoje em dia os médicos possuem muito mais informações sobre a doença do que no início da pandemia.
Já em relação aos exames, fizemos três vezes exames de sangue e duas vezes tomografia para monitorar a evolução da doença. Esse monitoramento é fundamental em função da doença ser muito traiçoeira, além do fato de que a fase mais perigosa da doença acontece entre o sexto e o décimo segundo dia.
Sem sombra de dúvidas o fato de ninguém saber como a doença vai se desenrolar é uma das maiores fontes de ansiedade que a doença traz. Tínhamos que aferir pressão, temperatura, batimentos cardíacos e saturação três vezes por dia. A qualquer momento você pode piorar e precisar se hospitalizar. A minha médica acreditava que eu precisaria me internar devido ao comprometimento do pulmão, mas minha situação clínica ficou estável e o pulmão não piorou.
Para se ter uma idéia de como tudo pode mudar de uma hora para a outra nessa doença, o meu filho testou negativo em um dia e no outro começou a demonstrar os sintomas. Fizemos novamente o PCR e ele testou positivo.
No final deu tudo certo e passamos com relativa tranquilidade pela COVID. Houveram momentos de tensão, onde achávamos que estávamos piorando, mas nada que se pareça com o sofrimento das pessoas que precisaram se hospitalizar. Tive amigos e parentes que precisaram se internar na UTI e os relatos são impactantes.
Passados os quinze dias da doença, fomos liberados pela médica no que ela chama de alta social. É o que todos fazem. Porém, preferi só sair após fazer um novo PCR para confirmar se realmente eu já estava livre da doença. Fiz o exame com vinte e dois dias do início da doença e não é que ainda deu positivo para a COVID? Somente com 27 dias é que testei negativo. Imaginem a quantidade de pessoas que saem de casa após quinze dias e ainda estão com COVID e contaminam outras pessoas?
Além disso, devido aos inúmeros problemas que aparecem depois da doença, é fundamental fazer uma série de exames cardiológicos e de angiologia, além de uma nova tomografia após 30 dias.
Depois disso tudo, é hora de agradecer por não termos tido a forma mais severa da doença e seguir a vida, aliviados por já termos pego a COVID e não precisar ficar mais o tempo todo ansiosos e preocupados em não pegar a doença.
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