“Nunca subestime o quão inseguros os compradores são sobre arte Contemporânea e o quanto eles sempre precisam de reafirmação. ”
Howard Rutkowiski
Confesso que eu sou um daqueles que muitas vezes nem acha que arte Contemporânea seja arte.
Já vi as coisas mais esdrúxulas do mundo sendo admiradas e comercializadas por milhões de dólares.
Várias dessas “artes” estão muito longe do conceito de beleza clássica do passado que aprendemos a admirar, como os quadros e esculturas dos grandes mestres.
É uma brincadeira comum as pessoas compararem os trabalhos de arte contemporânea com algo que poderia ter sido feito por crianças.
Para mim sempre ficou a impressão de que muitas vezes esses artistas têm como objetivo apenas chocar, ao expor cabeças de vacas apodrecendo (Hirst) e arte feita com cocô de elefante (Ofili), para dar alguns exemplos de alguns dos principais artistas contemporâneos.
A sensação é que como eles não teriam talento, estariam apela para chamar atenção pela atitude, tipo de insumos utilizados, utilização de inovações que não seriam consideradas arte normalmente e outras coisas mais que teria como objetivo criar algo único e chocante.
Porém, tenho que admitir que esse preconceito tem se reduzido ou pelos menos ficado mais seletivo, pois realmente tem muita coisa boa na arte contemporânea, especialmente aquelas que se aproximam mais da arte, da beleza e da criatividade tal como fomos acostumados.
Mas no final das contas, se for para definir minha posição em relação à arte contemporânea em duas palavras, elas seriam curiosidade e incompreensão.
E foi a curiosidade que me fez ler o livro “The $12 million stuffed shark” de Don Thompson, que faz um raio X dos bastidores e do funcionamento do mercado de arte contemporânea no mundo.
A leitura valeu muito à pena não só por ter matado a minha curiosidade, mas também por feito eu compreender melhor essa indústria bilionária.
O livro explica detalhadamente os aspectos psicológicos e comerciais, bem como apresenta os principais atores desse mundo e as dinâmicas de seus relacionamentos.
Gostei tanto da leitura que resolvi fazer um resumo com as coisas que mais me chamaram a atenção:
· Um dos fatores cruciais que levam as pessoas a pagarem fortunas por arte Contemporânea é que o Branding é o principal driver do setor, muito mais importante do que a qualidade artística dos trabalhos.
· Esse tipo de arte tem menos a ver com o conteúdo do trabalho do que com o sentimento do que o artista tem a dizer e o conceito por trás da obra.
· Enquanto as obras clássicas são descritas pelas suas qualidades intrínsecas, as obras contemporâneas são descritas por termos como inovação, valor do investimento e se o artista é “quente”.
· Como isso torna difícil a avaliação de uma obra, os colecionadores recorrem às casas de leilão de marca, às feiras de arte de marca, aos museus de marca e aos artistas de marca.
· O maior valor agregado no mundo da arte contemporânea vem das casas de leilão Christie’s e Sotheby’s. Quando a pessoa compra uma obra de arte em um leilão dessas casas, ela não está levando somente a pintura, mas também uma nova dimensão de que como as pessoas veem ela.
· Os principais museus de marca são o MOMA, Guggenheim e Tate. Quando um artista é exibido em um desses museus ele ganha ascendência e o comprador ganha reafirmação.
· Quando uma pessoa expõe uma obra de um artista de marca em sua casa, as pessoas lhe veem como rico, com personalidade e gosto peculiar.
· O preço de um novo artista é baseado na galeria onde seu trabalho é exibido, aumentando significativamente quando essa é uma galeria de marca, como a Gagosian. Os compradores substituem seu senso de julgamento pelo da galeria.
· Para as pessoas muito ricas o dinheiro não tem muito significado. Todos têm muito dinheiro. O que realmente impressiona os seus pares é você possuir uma obra rara e única. Outra coisa que os muito ricos procuram são sinais que provem ao resto do mundo que eles são realmente muito ricos.
· No final das contas, o julgamento do que é uma arte contemporânea de valor é feito principalmente pelos principais negociantes, depois pelas grandes casas de leilão, um pouco menos pelos museus, muito pouco pelos críticos e praticamente nada pelos compradores.
· Os preços altos são criados pela promoção realizada pelos grandes negociantes, pela autopromoção dos próprios artistas e pelo marketing das casas de leilão.
· Negociantes de arte são como surfistas. Se não tiver uma onda, eles não surfam. Mas um bom surfista vê a onda chegando e surfa ela.
· Os colecionadores confiam em seus negociantes da mesma maneira em que confiam em seu consultor de investimentos. Muitas vezes compram uma obra apenas vendo uma foto ou até pelo telefone. É o conceito de comprar arte pelos ouvidos em vez de pelos olhos, com um foco maior na futura valorização do artista do que na qualidade da obra.
· Um negociante não vende uma obra de um artista quente para o primeiro cliente que aparece. Aliás, eles nem vendem a obra, eles a “colocam” e depois divulgam qual museu ou colecionador está apostando naquele artista.
· Os primeiros na fila de colocação são os museus, seguidos pelos grandes colecionadores. Após eles, os colecionadores com quem o negociante tem uma longa relação ou jovens colecionadores que estão sendo incentivados a aumentar sua presença no mundo das artes.
· Um comprador sem histórico tem zero de chance de adquirir a obra de uma artista quente. De fato, ele nem consegue ver a obra, que fica exposta em uma sala reservada nas galerias de arte. Os trabalhos que ficam expostos nos salões das galerias são menos valiosos e significativos.
· Quando um artista é quente, as leis da oferta e demanda não se aplicam a ele. Quanto mais obras ele colocar no mercado, maiores serão os seus preços. A exposição gerada pelas feiras, exposições, matérias em revistas de arte geram um círculo positivo de valorização de suas peças.
· O efeito manada domina o mercado de arte contemporânea: as pessoas compram o que as outras pessoas estão comprando.
· Existem cinco categorias de negociantes de arte: negociantes de marca, negociantes convencionais, galerias de rua, cooperativas de artistas e galerias de vaidade.
· Os negociantes de marca são a Christie’s e Sotheby’s e algumas poucas outras nas principais cidades do mundo.
· Os negociantes convencionais ficam localizados nas mesmas cidades dos negociadores de marca, especialmente Londres e Nova York. É muito mais difícil se consolidar em cidade secundária do mundo da moda, mesmo que seja uma grande metrópole, do que nas grandes capitais da arte. Um artista tem muito mais a ganhar expondo na quinquagésima galeria de Nova York do que na primeira de Baltimore, por exemplo.
· Já as galerias de rua representam os artistas rejeitados ou que ainda não estejam prontos para os negociantes convencionais.
· As cooperativas de artistas oferecem a oportunidade de os artistas mostrarem seu trabalho e recebem muitos negociadores procurando por novos talentos.
· Na base da pirâmide estão as galerias de vaidade, onde os artistas pagam um valor para ter suas obras exibidas.
· As galerias de rua, cooperativas de artistas e as galerias de vaidade não atraem críticas dos especialistas e vendem pouco, e o que elas vendem geralmente tem pouco valor de revenda.
· Somente um em duzentos artistas estabelecidos vai alcançar um ponto onde seus trabalhos serão oferecidos em leilões da Christie’s e Sotheby’s.
· A comissão dos negociadores de arte é alta, chegando a 50% do valor da obra. Nos casos de artistas consagrados, essas comissões são negociadas, podendo variar entre 10% e 30%.
· Muitas galerias de marca e convencionais adiantam recursos pagando um valor mensal aos artistas, além de oferecerem empréstimos, serviços legais e de contabilidade, ajuda na publicação de livros e até reabilitação alcóolica.
· Uma desvantagem para os artistas em relação aos adiantamentos é que os negociantes passam a exigir que o artista produza mais e mais obras. Uma estratégia maliciosa de alguns negociantes é adiantar os recursos para que os artistas se acostumem com uma vida de luxo e casas caras.
· Todos os artistas emergentes querem três coisas além de dinheiro: artigos em revistas de arte, colocação de suas obras em museus e uma retrospectiva em um museu de marca. Já o negociante convencional tem preocupações diferentes: a promoção do artista gera vendas, mas também aumente ao risco dele o deixar por outra galeria mais famosa.
· Muitas vezes os negociantes adquirem obras dos artistas que representa no mercado secundário para manter o preço artificialmente ou para evitar que a obra não seja vendida.
· Uma das coisas mais interessantes que descobri é que a obra pode ser vendida com ou sem direitos de reprodução e exposição. Ou seja, muitas vezes o artista vende a obra, mas mantém os direitos de exibição ou de reprodução comercial, o que muitas vezes acaba gerando tanto ou mais valor quanto a obra em si.
· Um consultor ou negociante privado que ajuda os colecionadores ganham deles uma comissão que varia entre 2 a 10% do valor da obra, ao mesmo tempo em que pode ganhar uma comissão de 1 a 2% das casas de leilões, ganhando dos dois lados.
· Um dos principais motivos, senão o maior, para a explosão de preços na arte contemporânea é o fato das obras mais antigas e clássicas estarem desaparecendo do mercado. Isso acontece por duas razões. A primeira é o crescimento dos museus devido a doadores buscando a imortalidade de seus nomes e às cidades que pretendem se fortalecer como destinos turísticos. E a segunda razão é a expansão das coleções privadas. Muitas delas, inclusive, acabam indo parar em museus.
· Com essa percepção de escassez os colecionadores e museus ficam com um sentimento de “última chance” toda vez que alguma dessas peças são colocadas à venda e o preço deixa de ser um obstáculo.
· Outra consequência dessa escassez é que as obras são cada vez menos julgadas em termos de beleza e estética e cada vez mais em termos da mística do artista e dos valores que suas peças alcançaram nos últimos leilões.
· Hoje em dia não existe mais a possibilidade de um artista só ser descoberto e valorizado após sua morte, como no caso de Van Gogh. Existem uma infinidade de negociantes, curadores, especialistas e críticos procurando o tempo todo por novos talentos.
· Existem quarenta mil artistas em Londres e outro tanto em Nova York. Desses oitenta mil, em torno de 75 são celebridades com alta remuneração. Existem outros 300 artistas maduros e de sucesso que expõem nas principais galerias. Abaixo desse nível, encontram-se cinco mil artistas com alguma representatividade e que expões em galerias convencionais, mas que precisam complementar sua renda com outras profissões.
· Muitos artistas nem executam suas obras. São responsáveis pelo conceito e seus auxiliares as executam. É suficiente que ele apenas assine ou em algumas vezes apenas que tenha visto e aprovado a peça.
· Muitas vezes a reputação do dono da obra é tão importante quanto o próprio trabalho. Ou seja, se alguma obra faz parte da coleção de algum colecionador de marca. Algumas vezes, apenas a demonstração de interesse do colecionador por determinada obra ou artista move todo o mercado.
· O termo “Comprar com a orelhas” significa comprar pela reputação.
· Para boa parte dos colecionadores existe um ciclo no mercado de artes. Eles se apaixonam pela arte contemporânea, desenvolvem uma coleção, doam para alguns museus e após alguns anos vão perdendo a paixão e movendo seus interesses para outras áreas. Em algum momento eles acabam vendendo sua coleção.
· Christie’s e Sotheby’s têm 80% do mercado de arte de alto valor e praticamente um monopólio para obras acima de USD 1 milhão.
· O foco principal dos negociantes, galerias e casas de leilão não é atrair compradores ricos, mas conseguir consignação de obras de arte importantes.
· A maioria das obras de arte chegam às casas de leilão via os 4D’s: divórcio, morte, débito e discrição, sendo esse último caso de mudança de foco na coleção, redecoração e realização de lucro.
· Como acontece no mercado imobiliário e em várias outras situações, quem dá o lance é o homem, mas é a mulher que permite a ele dar o lance.
· O efeito manda é fortíssimo no mundo da arte contemporânea.
· O recado que está sendo dado ao se colocar uma obra de arte de algum artista famoso em sua sala não é “Eu tenho bom gosto”, mas “Eu tenho muito dinheiro”.
· Muitas doações aos museus são feitas com a condição de que as obras sejam expostas. Assim, a curadoria frequentemente tem menos a ver com qualidade e gosto e mais com dinheiro.
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