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O que é errado nos centros urbanos: Construir prédios ou permitir casas?

Foto do escritor: Felipe CavalcanteFelipe Cavalcante
“Não faz sentido uma cidade deste tamanho, com a necessidade de alta densidade para os transportes e os serviços públicos ainda construir uma única casa no meio de um lote para uma só família.” - Paulo Mendes da Rocha sobre São Paulo em 2016

É comum testemunharmos associações de moradores de bairros de classe média alta se posicionarem contra a construção de edifícios nas suas vizinhanças, em áreas centrais e dotadas de infraestrutura pública. Claro, quem não quer ter o privilégio de morar em uma casa bem no centro da cidade e próximo a todas as amenidades. Eu mesmo adoraria, mas não tenho recursos para isso.


A única maneira de pessoas de classe média conseguirem morar nos melhores endereços da cidade é através da construção de apartamentos no lugar de casas. Onde antes havia apenas uma família desfrutando dos benefícios daquele lugar, passam a existir diversas famílias que residirão perto do trabalho, da escola dos filhos ou do seu lazer. Onde antes existia uma família com patrimônio de R$ 5 milhões, passa a haver 35 famílias com patrimônio de R$ 600.000,00.


Esse é um dos motivos pelos quais eu acredito que devemos deixar de combater o adensamento e a verticalização nos centros urbanos e passar a combater a existência de residências unifamiliares. É necessário que as pessoas façam suas escolhas de onde morar. Quem quiser estar próximos dos serviços e comodidades que só um centro urbano oferece, deve escolher por morar em apartamentos menores. Quem preferir morar perto da natureza, com tranquilidade e em terrenos maiores, deve escolher morar em casas na periferia. O eu não é possível é ter o melhor dos dois mundo: morar em casas unifamiliares amplas pertos das comodidades oferecidas.


Por isso que em vez de as cidades definirem limites máximos para o adensamento urbano nas áreas com infraestrutura, com têm feito nas últimas décadas, deveriam passar a estabelecer limites mínimos de adensamento. Se antes era autorizada a construção de até 1.000 m2 em um terreno, passaria a ser exigida a construção de no mínimo 1.000 m2, por exemplo.


É uma ideia que pode parecer disruptiva, mas o Brasil já fazia assim há 100 anos. Conforme demonstrado o livro São Paulo nas alturas do Raul Juste Lores, a regra que existia nas décadas anteriores a 1950 era exatamente a de se exigir um limite mínimo de adensamento para construções nas áreas centrais da capital paulista.


O ponto interessante de toda essa discussão é que 100% dos urbanistas brasileiros defendem em seus posts, entrevistas, estudos, artigos e livros o adensamento urbano em áreas centrais e dotadas de infraestrutura, e onde moradia, trabalho, lazer e educação estão próximos.


Isso não me intriga, pois é puro bom-senso. O que me intriga é que boa parte desses mesmos urbanistas, especialmente os acadêmicos e aqueles ligados à esquerda, se colocam contra o adensamento na prática.


É comum vermos muitos planejadores urbanos se posicionarem contra prédios em construção em áreas centrais e dotadas de infraestrutura. Um dos principais motivos deles defenderem o adensamento na teoria e criticá-lo na prática é a aversão ao setor privado, ao lucro e ao capitalismo. A mesma aversão que distanciou as faculdades de urbanismo do mercado de trabalho. Caso uma ação beneficie um incorporador, eles preferem combatê-la, mesmo que isso signifique prejudicar a cidade.


Na visão deles, o mercado imobiliário será beneficiado com o adensamento urbano. O que eles não alcançam é que as pessoas precisam de um lugar para morar, e que se essa moradia não for ofertada perto do centro, nos melhores lugares, será ofertada nem outros locais. Quem sai perdendo não é o incorporador, que apenas muda o local do seu empreendimento, mas o cidadão, que vai morar mais distante e com menos qualidade de vida. Eles precisam entender que não estão prejudicando os incorporadores, mas os cidadãos.


Essa combatividade da academia e da esquerda contra o adensamento em bairros de classe média alta não surpreende, tendo em vista que são nesses locais que a própria academia e a esquerda moram e onde estão seus relacionamentos, além de serem os redutos políticos desses segmentos. Infelizmente, não é visto o mesmo posicionamento, e nem é gasta a mesma energia, no combate ao adensamento irregular e horizontal que gera péssimas condições de vida para as pessoas mais carentes, especialmente nas periferias.


Sempre é bom lembrar que os benefícios do adensamento urbano já estão cientificamente comprovados em todo o mundo e não são questionados por qualquer ativista das cidades. Entre esses benefícios estão incluídos o menor deslocamento das pessoas, a menor utilização do automóvel, menor investimentos em infraestrutura, a preservação das zonas rurais e das áreas de preservação ambiental, o combate ao aquecimento global, a viabilização do transporte público, entre tantos outros.


É interessante testemunhar a mudança de imagem do adensamento urbano. Há 100 anos ele era considerado o inimigo nº 1 do meio-ambiente, com as cidades sendo sinônimo de poluição, condições sanitárias sofríveis e superpopulação. Hoje em dia, o adensamento e as cidades passaram à condição de aliados nº 1 do meio-ambiente, pois reduzem a emissão de CO2 e o aquecimento global e reduzem o impacto humano na natureza.


Mas é importante esclarecer que adensamento não significa verticalização. Os lugares mais adensados do Brasil são os bairros periféricos horizontais, onde as moradias são pequenas, com muita gente morando nelas, sem recuos e implantadas em 100% dos terrenos.


Já os bairros verticalizados, presentes nas regiões de classe média e alta brasileiras, são muito menos densos, pois possuem apartamentos maiores e com menos pessoas habitando-os. Além disso, o adensamento é impedido por meio de regras com as baixas taxas de ocupação dos lotes e os reduzidos coeficientes de construção.


Quase a totalidade dos municípios brasileiros tem o viés contrário ao adensamento urbano e implementam baixos coeficientes de aproveitamento (ou seja, quanto pode ser construído no terreno em função de seu tamanho) e o tratam como instrumento de arrecadação através das Outorgas onerosas.


Já as pequenas taxas de ocupação têm como justificativa a necessidade de insolação e ventilação. Esse objetivo era nobre na época da revolução industrial e dos cortiços do Século XIX, mas não faz mais nenhum sentindo atualmente, quando temos o ar-condicionado, aquecedores e tanta evolução em tecnologias construtivas.


Tanto é verdade que os lugares mais valorizados, visitados e admirados do mundo são aqueles com alto adensamento e sem recuos laterais e frontais, como Paris, Londres e Madrid. E não vemos falta de demanda para morar nesses locais. Muito pelo contrário.


Também não consigo compreender por que as cidades investem tanto em urbanização para depois limitar a ocupação dos lotes urbanizados. Não faz nenhum sentido. Gasta-se com pavimentação, drenagem, esgoto, água, iluminação, paisagismo, segurança limpeza pública e só é permitida a ocupação de apenas 50% dos lotes. Poderia haver muito mais pessoas morando naquele local sem aumento equivalente das despesas e dos serviços públicos.


Mas também temos que levar em conta que apenas adensar é a solução. É preciso adensar com qualidade. E adensar com qualidade tem mais a ver com o desenho urbano e arquitetônico do que com qualquer outra coisa.


Adensar com qualidade significa criar espaços públicos voltados para as pessoas, onde elas se sintam seguras e confortáveis. Para isso, não é relevante, por exemplo, a altura de um prédio, mas a interação de sua base com o espaço público. A discussão sobre verticalização deveria dar lugar à discussão sobre o desenho dos andares baixos e do andar térreo dos edifícios. Eles devem proporcionar fachadas ativas, não possuir grandes recuos da calçada, proteção contra o clima e ser dotados de calçadas largas e confortáveis para os pedestres, por exemplo.


Atualmente a parte de “responsabilidade” do setor privado (apartamentos) têm grande qualidade, enquanto a parte de responsabilidade do setor público (ruas, calçadas e praças) sofrem com falta de manutenção e insegurança.


Algumas pessoas podem achar que os maiores beneficiados de um maior adensamento das áreas centrais seriam os grandes incorporadores. Ao contrário. Hoje em dia, sim, eles são os maiores beneficiados da enorme burocracia e das grandes exigências do poder público em termos de taxa de ocupação, recuos e outorgas onerosas. Apenas as grandes incorporadoras têm os recursos humanos e financeiros para atravessar essa longa e intricada jornada burocrática e adquirir os grandes e caros terrenos que conseguem viabilizar empreendimentos que suportam todas as regulamentações.


O ideal é que pequenos e médios empreendimentos sejam não só permitidos, mas incentivados em nossas cidades. Além de eles terem muito mais capacidade de atender nichos de demanda que as grandes incorporadoras não conseguem atender, também respondem muito mais rápido a ciclos do mercado.


Um grande ponto positivo dessa abordagem é que o aumento de oferta por parte de pequenos construtores e incorporadores seria a semente para o aumento da oferta de imóveis e da concorrência nas cidades, ajudando a manter os preços das moradias sob controle e aproximando o mercado imobiliário ainda mais em um mercado de concorrência perfeita, distante de oligopólios.


Outra grande vantagem é que, pelas regras atuais, praticamente só se viabilizam empreendimentos em grandes terrenos ou em um conjunto de pequenos terrenos reunidos por um grande incorporador. Os pequenos terrenos da cidade não são aproveitados. Com o incentivo de pequenos e médios edifícios, todos esses terrenos seriam potenciais objetivos de empreendimentos comerciais, residenciais e de uso misto de pequena escala.


Esse tipo de adensamento com prédios menores tem nome: adensamento suave. Se quiser entender o que é o Adensamento suave você precisa apenas ver fotos de cidades como Paris e Barcelona, ou lembrar de qualquer predinho com dois a seis pavimentos que ocupam boa parte dos lotes e não possuem recuos laterais ou frontais.


O Brasil foi todo construído assim até a década de 1950. Lembram dos predinhos com loja, padaria, restaurante no terreno e um, dois ou três pavimentos com moradias em cima. Pois é, isso é o Adensamento suave. Hoje ele é praticamente proibido no Brasil, deixando a porta fechada para pequenos incorporadores e deixando o mercado imobiliário nas mãos de poucas e grandes empresas.


Até 2014 existia um tabu no planejamento urbano brasileiro, o de que o certo era exigir uma quantidade mínima de vagas de garagem em cada empreendimento, replicando um erro que baseado no culto ao automóvel. Com o Plano Diretor de São Paulo de 2014, isso esse problema começou a ser endereçado em algumas partes da cidade, onde essas exigências absurdas foram abolidas.


Está na hora de um outro monumental erro histórico também ser corrigido. Está na hora de começarmos a discutir não mais os limites máximos para o adensamento urbano, mas sim o piso mínimo do adensamento nos centros urbanos.


Muitas pessoas afirmam que é um absurdo a construção de prédios ao lado de casas. Eu não concordo. Para mim, o absurdo está em serem permitidas residências familiares nos centros urbanos.


Essa ideia pode não estar madura no Brasil, mas dentro em breve estará, e não podemos correr o risco de continuar a prejudicar milhões de famílias devido à dogmas ultrapassados do passado.

 

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