“Nunca desperdice uma boa crise. ” - Winston Churchill
Sempre me chamou atenção o fato de que as crises são uma constante em nossas vidas e na humanidade, mas aparentemente não existe uma maneira única de lidar com elas, tendo em vista a ampla variedade de situações e pessoas envolvidas.
Aqui e acolá eu tentava juntar as peças e entender alguns princípios básicos por trás da maneira como devemos lidar e responder às crises. Encontrei muitas respostas na psicologia e na importância que deve se dar à maneira como reagimos ao problema em vez de se ficar remoendo em torno do problema.
Posso afirmar com tranquilidade que me tornei um especialista em crises. A minha vida tem sido uma eterna gestão de crises, felizmente profissionais e não pessoais, com a mais recente sendo o impacto da COVID na atividade hoteleira, ramo em que atuo.
Uma das coisas que aprendi ao conviver com tantas crises foi o fato de que a experiência em crises anteriores é fundamental para aprendermos a lidar com elas.
Passamos a saber como agir e reagir aos problemas, sabemos que no final das contas o mundo não vai acabar e a vida vai continuar, que geralmente as coisas não acontecem de maneira tão feia como pintamos, que temos mais força para o combate do que pensamos e problemas que antes pareciam acima da nossa capacidade passam a parecer rotineiros e banais.
Outra lição importante é que apesar de muitas crises chegarem do nada, através de algum acidente, doença ou fato que não conseguimos controlar, a maior parte das crises se pronunciam aos poucos, muitas vezes por anos, antes de se avolumarem e atingirem seu ponto culminante onde nos vemos obrigados a encará-la e fazer algo respeito.
E essa percepção de que as coisas ficaram diferentes, que as coisas já não estão funcionando como antes e que é necessário encontrar uma nova maneira de lidar com a situação é uma das características principais da gestão de crises, pois cria uma pressão para encaramos a realidade de uma nova forma.
Por outro lado, uma das coisas mais importantes durante uma crise é termos a sabedoria de entender a diferença entre o que não funciona mais e precisa mudar do que ainda funciona e não precisa mudar. O risco de um lado é entrar em negação e com isso não fazer o diagnóstico correto e não tomar as medidas necessárias. Do outro lado, não podemos correr o risco de mudar o que não precisa ser mudado, pois as crises geralmente só atingem uma parte de nossas vidas. Esse processo, central na gestão de crises, se chama Mudança seletiva.
Existem pessoas que conseguem se adaptar bem a essas novas situações, conseguindo encontrar novas soluções e tomando atitudes que ajudam a enfrentar e superar as crises, enquanto infelizmente outras pessoas ficam agarradas ao passado, não conseguem se ajustar e se agarram a soluções que não funcionam mais.
Tendo tudo isso em mente, podemos passar para analisar os doze principais fatores envolvidos em uma crise, segundo a escola da Terapia de crise, fundada pelo Dr. Erich Lindemann:
1. Reconhecimento de que está em crise
Talvez um dos maiores obstáculos para determinados tipos de crises. Não há muito o que fazer quando a pessoa está em estado de negação e aceita que está vivendo uma crise. Muito comum em situações ligadas a vícios. Em outros tipos de crises, porém, a coisa é tão clara que isso não é um problema
2. Aceitação da responsabilidade pessoal
Após aceitar que está em crise, o próximo passo é assumir a responsabilidade de agir, entendendo que mesmo havendo outros fatores, atores e causas, a pessoa é que tem que escolher como reagir ao que aconteceu e tomar a iniciativa. Esse é o momento de evitar a vitimização e colocar a culpa apenas no mundo. É aquela coisa, não escolhemos o que acontece conosco, mas podemos escolher com reagir ao que acontece conosco.
3. Construção de uma cerca. Essa técnica é central da gestão de crises e tem sido muito útil para mim. Muitas pessoas ficam com a percepção de que uma crise atinge toda a sua identidade e que tudo em sua vida deu errado, o que as leva a uma paralisia e uma catastrofização da situação. Precisamos adotar a Mudança seletiva e nos perguntar o que está funcionando bem e não precisa mudar, bem como ter a capacidade de delimitar o problema e agir sobre ele. É preciso ter consciência de que nem tudo em nossa vida foi afetado, de que se o problema é profissional, ainda temos a família, de que se o problema é pessoal, ainda temos saúde e aí por diante.
4. Ajuda de outras pessoas. Faz toda diferença sermos apoiados por outras pessoas em meio a uma crise. Podem ser amigos, parentes ou grupos institucionalizados, como igrejas, grupos de oração ou alcoólicos anônimos. Eu sempre tive muita sorte nesse aspecto, podendo contar com o apoio incondicional de minha família. Poder contar com um porto seguro em casa, saber que existem pessoas que lhe apoiam incondicionalmente e que não se afastarão de você mesmo que você fracasse não tem preço.
5. Ter outras pessoas como modelos. Algumas conversas que tive com algumas pessoas em momentos críticos da minha vida foram fundamentais. Eram colegas ou amigos que já tinham passado por algo parecido com o que eu estava passando e me deram orientação e conselhos importantíssimos. Ouvir a voz da experiência faz a diferença e mostra que é possível superar o seu problema. Em muitos casos, não precisam ser pessoas conhecidas, mas histórias e pessoas que lhe inspiram.
6. A força do ego. É um conceito elástico que abrange uma série de características que nos tornam mais propensos a superar dificuldades e crises. Envolve características como a autoconfiança, senso de propósito, tolerância a emoções, decisões sensatas, capacidade de lidar com stress e percepção da realidade, entre outros.
7. Auto avaliação honesta. É a nossa capacidade de avaliar com precisão nossas forças e fraquezas e o que funciona e não funciona. Conheço inúmeras pessoas que são descoladas da realidade e por uma série de razões, incluindo psicológicas, não conseguem fazer uma avaliação isenta e acurada da realidade, comprometendo assim qualquer possibilidade de superar as crises. Sem um diagnóstico certeiro não só do problema, mas da nossa capacidade de lidar com ele, é muito difícil conseguir resolver problemas.
8. Experiência com crises anteriores. Essa foi uma das grandes lições que aprendi e sempre fico me lembrando de como eu era despreparado para lidar com crises no passado, de como eu não sabia nada e que com isso potencializava o tamanho das crises. Problemas que antes pareciam insuperáveis hoje são banais. Situações nas quais eu não sabia como agir, hoje são naturais e já sei as respostas. Já vi que o mundo não acaba e que a vida continua. Tenho segurança e em alguns casos até conforto para lidar com situações que eram grande fonte de angústia para mim. Mesmo em relação a problemas novos, eu adquiri um certo modelo mental que me prepara melhor para enfrenta-los.
9. Paciência. Por mais que tenhamos experiência e predisposição para lidar com crises, não existe uma fórmula. Com isso, precisamos estar sempre testando, pois na maioria das vezes não conseguiremos acertar de primeira. Temos que ter tolerância à incerteza e não desistir de imediato.
10. Flexibilidade. Mais do que nunca, é fundamental ter flexibilidade em uma crise. O excesso de rigidez pode ser fatal, pois não existe uma regra a ser seguida e uma só maneira de fazer as coisas. São caminhos sem mapa e que exigem adaptação. Fique com a cabeça aberta a todas as informações.
11. Valores essenciais. Algo que também faz muita diferença em uma crise são as nossas crenças centrais, que nos fazem quem somos, nossa identidade, código moral e perspectiva de vida. O que recusamos a mudar? Quais são nossos princípios? O que é negociável e inegociável? Esses valores podem nos ajudar ou atrapalhar a superar uma crise. Se por um lado, nos dão força, clareza e direção sobre como agir em momentos de indecisão, por outro lado podem ser grandes obstáculos quando se tornam obstáculos à resolução da crise.
12. Liberdade de restrições. São os problemas práticos do dia-a-dia que muitas vezes nos impedem de fazer o que deve ser feito. Claro que se você tem restrições financeiras, um pai idoso ou um bebê para cuidar ou se trabalha demais, você acaba tendo um fardo adicional a carregar que podem dificultar ainda mais a resolução de crises.
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